Combater o desperdício<br> e garantir a soberania alimentar

Cerca de 870 mi­lhões de pes­soas so­bre­vivem sub­nu­tridas, se­gundo a FAO (Food and Agri­cul­ture Or­ga­ni­za­tion, da ONU). Si­mul­ta­ne­a­mente, con­tinua a as­sistir-se ao cho­cante des­per­dício de quan­ti­dades bru­tais de pro­dutos ali­men­tares, ou seja, de ali­mentos des­ti­nados ao con­sumo hu­mano que são pura e sim­ples­mente inu­ti­li­zados em quan­ti­dade ou em qua­li­dade.

Na Eu­ropa cerca de 50 por cento dos ali­mentos pro­du­zidos ter­minam em aterros. Em Por­tugal, de acordo com a me­to­do­logia da FAO se­guida no único es­tudo na­ci­onal sobre esta ma­téria (PERDA – Pro­jecto de Es­tudo e Re­flexão sobre o Des­per­dício Ali­mentar, CES­TRAS, 2012), as es­ti­ma­tivas da ca­pi­tação anual de perdas e des­per­dí­cios apontam para 97 kg per ca­pita/​ano, sendo que, destes, 31 por cento provêm dos con­su­mi­dores.

Estes são in­di­ca­dores que nos per­mitem ter uma visão mais apro­xi­mada à di­mensão do pro­blema, fe­nó­meno que atra­vessa todas as etapas da ca­deia – da pro­dução ao prato – co­lo­cando pro­blemas de «na­tu­reza ética e am­bi­ental», como su­bli­nhou o de­pu­tado eco­lo­gista José Luís Fer­reira, do Par­tido Eco­lo­gista «Os Verdes», num dos de­bates que pre­en­cheram a agenda ple­nária na recta final dos tra­ba­lhos par­la­men­tares.

«Trata-se de ques­tões de na­tu­reza am­bi­ental mas também de na­tu­reza in­ter­ge­ra­ci­onal – um pro­blema de sus­ten­ta­bi­li­dade», sa­li­entou o de­pu­tado eco­lo­gista, que, em face das perdas re­gis­tadas, de­fendeu a im­por­tância de «con­sumir local, de va­lo­rizar os mer­cados tra­di­ci­o­nais», de fazer um es­forço no sen­tido de «al­terar há­bitos de con­sumo», e de in­cre­mentar «cam­pa­nhas de sen­si­bi­li­zação di­ri­gidas a agentes eco­nó­micos e con­su­mi­dores para com­bater o des­per­dício».

Uma das ra­zões para o pro­blema, se­gundo o de­pu­tado co­mu­nista João Ramos (que nesse de­bate expôs a po­sição do PCP sobre esta te­má­tica), re­side nos pro­cessos pro­du­tivos, isto é, numa es­tra­tégia de pro­dução agrí­cola pau­tada por cri­té­rios, ditos de mer­cado, em que o «valor eco­nó­mico dos pro­dutos se so­brepõe ao seu valor ali­mentar». O que em sua opi­nião tem jus­ti­fi­cado a opção por va­lo­rizar mo­delos de pro­dução in­ten­sivo em de­tri­mento de uma agri­cul­tura fa­mi­liar, as­so­ciada até à pro­dução de qua­li­dade e pro­xi­mi­dade.

Va­lo­rizar a pro­dução

In­te­ra­gindo com este pro­blema está, também, a questão da so­be­rania ali­mentar. Como lem­brou João Ramos, o que se as­siste hoje é a uma ori­en­tação dos sec­tores pro­du­tivos em função da ob­tenção de «mai­ores e mais rá­pidos lu­cros, in­de­pen­den­te­mente das ne­ces­si­dades do País». E o me­lhor exemplo disso é a cir­cuns­tância de Por­tugal, não obs­tante o seu nível de auto-abas­te­ci­mento no agro-ali­mentar su­perar os 70 por cento, ter em pro­dutos como a carne, ce­reais para pa­ni­fi­cação, ba­tatas, le­gu­mi­nosas ní­veis que chegam a ser «dra­má­ticos».

Daí que não baste em termos do nosso auto-apro­vi­si­o­na­mento ter como ob­jec­tivo, num «ho­ri­zonte má­ximo de cinco anos», o «equi­lí­brio da ba­lança co­mer­cial agrí­cola em valor», como sus­tentou no de­bate o mi­nistro da Agri­cul­tura, Ca­poulas Santos.

É que con­finar os ob­jec­tivos na­ci­o­nais ao equi­lí­brio da ba­lança agro-ali­mentar em valor «pode ser curto re­la­ti­va­mente àquilo que são as ne­ces­si­dades ali­men­tares dos por­tu­gueses», ad­vertiu João Ramos.

Abor­dado por este foi ainda o pro­blema da «nor­ma­li­zação dos pro­dutos ali­men­tares», que faz com que estes sejam «va­lo­ri­zados em função do seu as­pecto e não em função do seu valor ali­mentar». E daí de­corre que muitos pro­dutos acabem por ficar nas ex­plo­ra­ções, face às re­gras da União Eu­ro­peia que, pese em­bora al­gumas al­te­ra­ções, con­ti­nuam na prá­tica a pro­mover o aban­dono de ali­mentos.

Im­porta, por con­se­guinte, travar este com­bate ao des­per­dício ali­mentar, na cer­teza de que ele é in­dis­so­ciável, no en­tender do PCP, da luta pela «ga­rantia da nossa so­be­rania ali­mentar» e pelo «es­tí­mulo e va­lo­ri­zação da pro­dução na­ci­onal».




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